12 de setembro de 2006
1. Epidemiologia
- O mundo vive hoje uma importante mudança na distribuição etária de sua população. Nos países desenvolvidos, a porcentagem da população com mais de 65 anos subirá dos atuais 17,5% para 36,3% até 2050, enquanto que o grupo com mais de 80 anos mais do que triplicará (Departamento de Censo Demográfico dos Estados Unidos, Dados Internacionais, 2002).
- A dor é um problema muito comum entre os idosos, sendo que a dor persistente (i.é., a dor crônica) afeta mais de 50% dos idosos vivendo no ambiente da comunidade, e mais de 80% dos residentes em clínicas de repouso para idosos (Ferrell et al. 1995, Helme & Gibson 2001). Pessoas de mais idade têm maior probabilidade de sofrer de dor crônica dos que as mais jovens.
- A dor é o sintoma mais freqüentemente relatado por pessoas idosas, sendo relatada por 73% das pessoas idosas vivendo no ambiente da comunidade (Brody & Kleban 1983).
- Nas pessoas idosas, a dor tende a ser constante, de intensidade moderada a intensa, durando por vários anos, com múltiplos focos e decorrente de múltiplos fatores (Brattberg et al. 1996).
- 45,8% das pessoas idosas internadas em hospitais relatam sentir dor; 19% relatam dor de moderada a extremamente intensa; 12,9% estão insatisfeitas com a forma como vêm controlando a dor (Desbiens et al. 1997).
- O câncer é a segunda mais importante causa de morte entre os adultos com mais de 65 anos (D’Agostino et al. 1990), sendo que 67% de todas as mortes por câncer ocorrem entre aqueles com mais de 65 anos (Kennedy 1995). Mais de um quarto dos pacientes sofrendo de câncer (26%) com mais de 65 anos de idade e sofrendo de dores diárias não receberam nenhum agente analgésico (Bernabei et al. 1998).
- A dor é o principal problema de saúde na Europa. A incidência de doenças crônicas é maior entre os adultos de idade avançada do que entre o resto da população. Embora a dor aguda possa ser justificadamente considerada um sintoma de alguma doença ou lesão, a dor crônica e recorrente é um problema de saúde específico, uma doença de pleno direito (Declaração da EFIC, D. Niv e M. Devor, apresentada no Parlamento Europeu em maio de 2001, https://www.efic.org/about_pain.htm#efic_declaration).
- Exemplos de quadros de dor crônica entre adultos de idade avançada são a osteoartrite, a neuralgia pós-herpética, a estenose do canal medular, o câncer, a fibromialgia, a dor pós-derrame, a neuropatia periférica diabética e outras.
- A existência de mais de um diagnóstico clínico, normalmente, contribui para a dor crônica em adultos mais idosos (Jones & Macfarlane 2005). Há também uma maior probabilidade de presença de dor atípica neste grupo, em decorrência da redução das reservas psicológicas e da interação entre morbidades coexistentes (Gibson & Helme 2001).
- Os adultos mais idosos tendem a ter uma reduzida sensibilidade a estímulos nocivos, contudo, isto não significa que quando a dor está presente, eles a sintam menos intensamente. Quando pessoas mais idosas relatam a existência de dor, é provável que estejam sendo acometidas por níveis mais elevados de alguma patologia subjacente do que pessoas mais jovens que relatam o mesmo nível de dor (Gagliese & Melzack 1997, Weiner & Herr 2002).
- Pessoas idosas tendem a relatar a dor de forma insuficiente, em virtude de uma interpretação errônea das sensações físicas (por exemplo, uma “dorzinha” no lugar de uma “dor”), da dificuldade de usar modelos de escalas de avaliação da dor e de crenças falsas sobre a dor e sua administração.
2. Impactos sobre o Bem-Estar dos Idosos
- A qualidade de vida comprometida pela presença da dor pode ser expressa por depressão (inclusive com elevado risco de suicídio), ansiedade, dificuldades para dormir, distúrbios de apetite e perda de peso, comprometimento cognitivo e limitações na realização de atividades rotineiras. Estas cargas adicionais tendem a melhorar com a administração eficiente da dor (Painel AGS, 2002).
- Pessoas idosas sofrendo de dor persistente consideram ter uma saúde debilitada (Reyes-Gibby et al. 2002) e usam mais os serviços de atendimento médico do que as pessoas que não sofrem de dor (Lavsky-Shulan et al. 1985).
- Em pacientes acometidos por fratura de bacia, dor intensa ou analgesia pós-cirúrgica inadequada, esse quadro pode levar a um elevado grau de confusão mental, à recuperação mais lenta e à dificuldade de locomoção e realização de exercícios (Morrison et al. 2003a, Morrison et al. 2003b).
3. Avaliação e Tratamento
- A avaliação da dor em pessoas idosas exige uma abordagem multifacetada e abrangente, com inclusão das características da dor (intensidade, qualidade, variações no decorrer do tempo e de situações), impactos da dor (grau de perturbação psicológica / afetiva, grau de limitações funcionais com relação a atividade rotineiras, impacto social), uso de estratégias eficazes, crenças e atitudes voltadas para a dor, outras doenças que exijam atenção médica, e funções cognitivas.
- Com freqüência, a avaliação da dor é mais difícil entre certos contingentes de idosos, como aqueles residindo em casas de repouso, aqueles com alguma perda sensorial (visão ou audição comprometidas), ou aqueles com comprometimento cognitivo. Com relação àqueles que não conseguem expressar a dor que sentem, deve-se levar em conta sinais não verbais de dor (por exemplo, caretas, movimentos de auto-proteção, agitação, franzimento de cenho).
- Idosos sofrendo de demência ou de problemas de comunicação são ainda mais vulneráveis à ocorrência de um tratamento deficiente em virtude de suas dificuldades de expressar a dor que sentem. Sabe-se que tomam menos analgésicos do que outros idosos com idade e patologia semelhantes (Parmalee et al. 1993; Pickering et al. 2006).
- Por ocasião da apresentação inicial ou admissão do idoso em algum serviço de saúde, o profissional de saúde deve averiguar se paciente comprovadamente sofre de alguma dor persistente (Painel AGS, 2002).
- Qualquer dor persistente que tenha um impacto sobre a função física, a função psico-social ou outros aspectos relacionados com a qualidade de vida devem ser reconhecidos como um problema relevante (Painel AGS, 2002).
- Apesar do fato de a dor persistente ser mais comum entre os segmentos mais velhos da população, a expressiva maioria dos estudos sobre o tratamento da dor e os testes de intervenção sobre a dor foram conduzidos com populações adultas mais jovens. Raramente as diferenças de idade com relação à eficácia do tratamento foram levadas em consideração. Existe uma clara falta de comprovação para embasar a maior parte das abordagens de tratamento atualmente aceitas com relação à administração da dor em sua aplicação aos adultos mais velhos (Gibson 2006).
- Os programas multidisciplinares de dor que combinam várias modalidades de tratamento farmacológico e não-farmacológico têm se demonstrado eficazes na administração da dor persistente em adultos idosos. Entretanto, aparentemente, esta abordagem tem sido menos adotada, porque os pacientes idosos têm tido representação menos expressiva nas clínicas de administração da dor, têm menos probabilidade de receber a proposição deste tratamento e recebem menos opções de tratamento quando freqüentam essas clínicas (Kee et al. 1998).
- A terapia farmacológica para a dor persistente é mais eficaz quando combinada com abordagens não-farmacológicas: fisioterapia (por exemplo, programa de exercícios, terapia de neuro-eletroestimulação transcutânea ou TENS (Transcutaneous Electrical Nerve Stimulation Therapy), aplicações de calor e frio), métodos psicológicos (por exemplo, relaxamento, psicoterapia cognitivo-comportamental), programas educacionais, intervenções sociais e terapias complementares (por exemplo, acupuntura).
- As pessoas idosas são mais vulneráveis do que as jovens, uma vez que sofrem de múltiplos problemas médicos e nutricionais, o que limita as opções de tratamento com agentes analgésicos em decorrência do risco elevado de efeitos adversos e de problemas com interações medicamentosas complexas (Pickering et al. 2004).
- O tratamento efetivo da dor em adultos de idade avançada requer conhecimento e treinamento especializados em administração da dor. Ao formular um plano de tratamento, é necessário levar em consideração a importante influência de medicamentos com administração concomitante e o impacto potencial de problemas médicos e psicológicos de comorbidade. É também necessário que se tenha pleno conhecimento das interações medicamentosas importantes que podem afetar as ações analgésicas e gerar efeitos colaterais. Por fim, é necessário que se tenha ciência das contra-indicações relativas e absolutas de determinados medicamentos que são freqüentemente usados por adultos idosos (Painel AGS, 2002).
CONCLUSÃO
- Existe uma necessidade premente de programas de formação profissional de melhor qualidade, de ampliação da pesquisa dedicada de forma a servir de orientação aos profissionais de clínica médica, e de um aprimoramento das estratégias de administração da dor que focalizem especificamente as necessidades especiais dos idosos em nossas comunidades (Gibson 2006).
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