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Capítulo Brasileiro da Internacional Association for the Study of Pain - IASP


Dor Pélvica Crônica

A dor pélvica crônica (chronic pelvic pain) é uma condição comum, debilitante e complexa cuja etiologia ainda se conhece de forma deficiente. Pode associar-se com uma morbidade significativa e uma perda das funções física e sexual.

As pacientes estão incomodadas devido aos seus sintomas contínuos, aos numerosos e reiterados exames que devem se realizar, geralmente, à incapacidade do profissional médico de oferecer um diagnóstico e um tratamento efetivos. Muitas pacientes descrevem experimentar um sentimento de frustração devido a que sua dor não é tomada seriamente ou as sugestões de que a dor se deve a razões psicológicas.

Mecanismos e causas da dor pélvica
A dor pélvica crônica pode ser causada por condições ginecológicas, tais como endometriose, adesões, infecção ou, com pouca freqüência, um tumor; e por razões não-ginecológicas que podem estar relacionadas com o intestino, tais como a síndrome do intestino irritável (irritable bowel syndrome), ou relacionadas com a bexiga, ou condições musculoesqueléticas ou neuropáticas. No geral, a síndrome do intestino irritável coexiste com a dor pélvica.

Se descrevem a seguir três tipos de hiperalgia visceral que podem ser relevantes para a apresentação clínica das pacientes com dor pélvica (1):

1) Hiperalgia visceral: hiperalgia de uma víscera por inflamação e/ou estimulação excessiva de tal víscera, por ex., síndrome do intestino irritável.

2) Hiperalgia referida de uma víscera: hiperalgia de tecidos somáticos na área da dor referida de uma víscera, por ex., pontos desencadeantes nos tecidos das paredes corporais.

3) Hiperalgia víscero-visceral: hiperalgia de uma víscera considerada clinicamente manifestada por uma condição dolorosa de outra víscera, por ex., exacerbação da cólica urinária em pacientes com cálculos urinários e dismenorréia.

Epidemiologia
A prevalência da dor pélvica crônica na comunidade é alta.

Nos Estados Unidos, se encontrou uma prevalência de um período de 3 meses (com exclusão da dor intermenstrual) de 15% em mulheres entre 18 e 50 anos (2).

No Reino Unido, a prevalência anual em atenção primária foi de 38/1.000, uma taxa similar à informada para a asma ou a dor dorsal (3).

Na Nova Zelândia, se informou uma prevalência de 25,4% (4).

As mulheres que se queixam de sintomas de dor pélvica crônica chegam entre 15 e 20% do total de consultas na clínica ginecológica geral e até 10% de todas as assistências femininas na prática geral.

A dor pélvica crônica é a indicação para entre 10 e 15% das histerectomias realizadas nos Estados Unidos.

Foi encontrado que as mulheres com dor pélvica se submeteram a quase cinco vezes mais cirurgias e buscaram tratamento pelo quádruplo de condições realizadas em pessoas da mesma idade que não apresentam dor.

Avaliação de mulheres com dor pélvica
Consulta: a avaliação de mulheres com dor pélvica crônica requer um enfoque sistemático e integral. A avaliação é a principal oportunidade de estabelecer uma boa relação com a paciente e iniciar o conceito de que o médico clínico e a paciente estão trabalhando juntos para manejar os sintomas.

Exame: é importante fazer uma observação geral da paciente, especialmente da postura. As cicatrizes podem ser uma fonte de dor. Os pontos desencadeantes da parede abdominal podem ser identificados mediante palpação. O exame vaginal dá a oportunidade de avaliar os órgãos ginecológicos e o tom da musculatura do solo pélvico. Exames: os exames que se realizam com mais freqüência são a ecografia transvaginal, a laparoscopia e a ressonância magnética (magnetic resonance imaging). Mais de 40% das laparoscopias são feitas para diagnosticar dor pélvica crônica. Este exame tem um risco e custo.

Fatores psicológicos
Os fatores psicológicos podem contribuir tanto para a experiência como para as conseqüências de dor pélvica. Um dos desafios para as pacientes é aceitar que os fatores psicológicos podem ser importantes para compreender sua condição de dor e seu manejo. Deveria criar-se uma relação terapêutica na qual a paciente se sinta escutada e compreendida, e possa fazer perguntas sobre suas inquietudes e crenças.

As mulheres com dor pélvica crônica podem ter altos níveis de ansiedade e depressão, e ter uma enfermidade grave não diagnosticada. Pode-se produzir uma alteração sexual e um mal estar nas relações. Podem ser úteis as intervenções específicas, como os exercícios de Kegel, o uso de dilatadores graduados, o assessoramento sobre lubrificação, posições sexuais e exercícios focalizados sensatos.

Uma quantidade de estudos controlados tem demonstrado que as mulheres com dor pélvica crônica têm uma incidência mais alta de abuso sexual e físico prévio (5). Deveriam fazer perguntas sobre experiências sexuais prévias não desejadas ou não prazerosas em um ambiente de contenção e aberto. Se há antecedentes de abuso sexual ou físico que estão afetando seu funcionamento atual, pode ser adequado fazer uma terapia psicológica.

Tratamento
Tradicionalmente, o tratamento se concentrou em identificar a patologia e utilizar intervenções médicas, hormonais e cirúrgicas para aliviar a dor. A terapia hormonal e a cirurgia podem ajudar a algumas pacientes com dor pélvica, adenomiose e endometriose, mas lamentavelmente não a todas. Pode ser benéfico realizar exercícios de estabilidade central e reabilitação da musculatura do solo pélvico. Demonstrou-se que os fármacos usados para a dor neuropática reduzem a dor pélvica em um pequeno grupo de pacientes que não respondem a opióides suaves (6).

Dado que a compreensão médica da complexidade da dor pélvica crônica avançou e incorporou os aspectos psicossociais da dor, o consenso mudou em relação à aplicação de um enfoque multidisciplinar em relação ao manejo, reconhecendo que a dor implica interações complexas entre os mecanismos psicológicos, neurológicos e fisiológicos (7).

A Endometriose e sua Relação com Outras Condições Dolorosas
A endometriose se apresenta em até 10% das mulheres em idade de conceber (1).

A endometriose consiste na presença anormal de tecido endometrial (tecido com as características de revestimento interno do útero) fora do útero, geralmente na cavidade abdominal/pélvica (1). Estes tecidos anormais se denominam “crescimentos ectópicos” ou, às vezes, implantes ou “cistos”.

Os sintomas associados com esta condição incluem sub-fertilidade e dores pélvicas (1). A dor mais comum é a dismenorréia, que é uma dor intensa associada com a menstruação (1,2). Outras dores incluem: dispareunia (dor durante o coito ou a colocação de tampões, ou seja, hipersensibilidade na vagina), disquesia (dor intestinal) e dor pélvica crônica (geralmente, dor interna ou nos músculos do abdômen, área pélvica e zona lombar) (1,2).

Em aproximadamente 20% das mulheres com este transtorno, este se produz junto a outras condições de dor crônica, tais como síndrome do intestino irritável, cistite intersticial/síndrome da bexiga dolorida, vulvodínia, transtorno nas articulações temporomandibulares, enxaqueca, fibromialgia e/ou transtornos auto-imunitários, tais como o lúpus eritematoso disseminado, a artrite reumatóide, a síndrome do esgotamento crônico e a síndrome de Sjögren (1,6).

A endometriose é um transtorno complicado devido à relação incerta que existe entre os sinais que definem a condição (crescimento ectópicos) e os sintomas variados (2). Algumas mulheres não apresentam sintomas ou apresentam sintomas menores; porém, quando sua cavidade pélvica ou abdominal interna é examinada por outra razão, muitos sinais se fazem evidentes. Outras mulheres têm muito poucos sinais, mas apresentam condições extremamente incômodas e dolorosas.

Não se compreende bem como os sinais (crescimentos) e os sintomas (sub-fertilidade, dores, manifestação junto com outros transtornos) se desenvolvem e se relacionam entre si. A maioria dos médicos clínicos e científicos estão de acordo em que os crescimentos ectópicos se desenvolvem nas mulheres suscetíveis devido ao ‘fluxo menstrual retrógrado’, ou seja, quando se empurra o tecido menstrual para trás, através das trompas de Falópio, ao interior da cavidade abdominal/pélvica, aonde se implanta e cresce (1). Estes crescimentos ectópicos logo podem comportar-se de um modo similar ao útero, desprendendo seus tecidos e moléculas inflamatórias na cavidade abdominal/pélvica. Também se aceita que a endometriose depende dos estrógenos porque seus sinais e sintomas desaparecem coma menopausa ou a extirpação dos ovários (1). Estudos recentes também demonstraram que os crescimentos ectópicos ativos desenvolvem seus próprios fornecimentos de sangue e nervos (2). É possível que a relação variável entre os crescimentos ectópicos e os sintomas se produza, em parte, devido às variações no fornecimento de nervos (2).

Os tratamentos para a endometriose são principalmente de três tipos (1): (a) analgésicos de venda livre, (b) tratamentos hormonais que interrompem a ovulação a fim de reduzir os níveis de estrógenos, e (c) cirurgia (extirpação dos crescimentos ectópicos, o útero ou, às vezes, corte de determinados nervos que atuam como subministração da cavidade pélvica).

Em algumas mulheres, se incorporaram tratamentos complementares/alternativos úteis (6). Uma nova possibilidade, que se encontra em estudo em modelos animais, são os fármacos que reduzem o fornecimento de sangue dos crescimentos ectópicos (4).

Nenhum destes tratamentos é completamente satisfatório ou efetivo (3,5,7). Os tratamentos hormonais e a extirpação do útero podem ter efeitos secundários desagradáveis e, logicamente, impedir a concepção. Como muito, a cirurgia é exitosa em 50% dos casos, podem ter sintomas secundários desagradáveis e, às vezes, os sintomas podem reaparecer (3). Porém, pode-se seguir sendo otimista, já que se estão realizando pesquisas clínicas e básicas consideráveis para compreender melhor os sinais e os sintomas, e para desenvolver enfoques mais efetivos para seu tratamento (visite os seguintes locais na web: https://www.endometriosisassn.org; https://www.nlm.nih.gov/medlineplus/endometriosis.html; https://www.endometriosis.org).

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