Síndrome do Intestino Irritável (SII)
Definição
A síndrome do intestino irritável (irritable bowel syndrome) é uma condição médica episódica crônica que se caracteriza pela dor ou incômodos abdominais e hábitos de evacuações alterados na ausência de uma doença orgânica detectável. Pode apresentar-se com diarréia e/ou constipação e, portanto, geralmente se agrupa segundo a forma das evacuações: SII com prevalência de diarréia (SII-D), SII com prevalência de constipação (SII-C), SII-M (mistura de diarréia e constipação) e SII-A (diarréia e constipação alternadas). Forma parte dos transtornos da função gastrointestinal.
Epidemiologia e economia
A SII tem taxas de prevalência entre 9% e 23% em todo o mundo, na população geral, e representa até 40% dos diagnósticos que foram realizados pelos gastroenterologistas.
Tem uma prevalência superior feminina, ou seja, uma proporção entre mulheres e homens de até 4:1 no âmbito clínico, com uma prevalência feminina também maior no que diz respeito à gravidade nos sintomas.
Sua distribuição etária não é clara; alguns estudos informam uma maior prevalência nos jovens e uma diminuição com a idade, e outros não encontram nenhuma influência na idade.
A SII tem uma grande influência na qualidade de vida (quality of life) e como conseqüências custos de atenção médica direta e indireta altos (até bilhões de dólares nos Estados Unidos).
Fisiopatologia
A fisiopatologia da SII ainda não é conhecida completamente, mas é provável que seja complexa e multifatorial.
Uma questão é saber se a dor é secundária às anormalidades nos movimentos intestinais ou as alterações do processo sensorial (hiperalgia visceral), ou ambas, foram descritos múltiplos padrões de movimento intestinal anormal na SII, mas nenhuma alteração do movimento é patognomônica da síndrome nem tem uma relação predizível com a percepção da dor.
Em contraposição, uma característica chave da SII é o aumento da sensibilidade ante estímulos dolorosos a nível do intestino, ainda que se desconheçam por completo a localização anatômica, as desordens fisiológicas, os mediadores celulares e os mecanismos moleculares*. Ainda se está debatendo se a hiperalgia se produz principalmente no sistema nervoso central ou é desencadeada, pelo menos no princípio, por um fator periférico (infeccioso) [sensibilização periférica inicial seguida de uma sensibilização central].
Existem controvérsias a respeito ao papel que desempenha a predisposição genética.
*Entre as moléculas específicas possivelmente envolvidas na patogênese da dor da SII, a serotonina (5-HT) recebeu uma maior atenção, sendo que desempenha um importante papel no reflexo peristáltico normal do intestino e também pode sensibilizar os nociceptores viscerais e facilitar a função do potencial receptor transitório do receptor vanilóide 1 (transient receptor potential family V receptor 1).
Critérios de diagnóstico
Na atualidade, o diagnóstico da SII se realiza em função dos critérios Roma III*, ou seja:
Dor ou incômodos abdominais recorrentes durante, ao menos, 3 dias/mês nos últimos 3 meses associados com 2 ou mais das seguintes características:
Melhora na defecação e.
Aparição associada com uma mudança na freqüência de evacuação e.
Aparição associada com uma mudança na forma (aparência das evacuações).
*Critérios cumpridos durante os últimos 3 meses com aparição de sintomas, pelo menos, 6 meses antes do diagnóstico.
Os sintomas inquietantes (por ex., perda de peso, febre, sangramento retal, esteatorréia, intolerância à lactose/ao glúten) sugerem a possibilidade de uma doença estrutural, tal como câncer de cólon, doença intestinal inflamatória, transtornos de absorção deficiente (por ex., celíaca), mas não necessariamente negam um diagnóstico de SII.
Características clínicas e descobertas instrumentais
Geralmente, a aparição da SII se precipita pela alteração da função gastrointestinal secundária a uma infecção, fatores dietéticos, mudança no estilo de vida ou estresse psicológico [os pacientes com SII informam uma maior prevalência de abuso sexual, físico e emocional em comparação com as pessoas saudáveis].
A dor espontânea se descreve como uma sensação abdominal dolorosa similar a uma cólica, cujo grau de intensidade varia desde leve e intermitente até intenso e contínuo. Pode precipitar-se mediante alimentos e pode melhorar depois da defecação. No caso de pacientes mulheres, isto é influenciado pelo ciclo menstrual, com um aumento imediatamente antes e durante as menstruações. As áreas abdominais dolorosas geralmente aumentam com o progresso da doença. A dor abdominal é também provocada pelo trânsito intestinal (por ex., contrações colônicas pós-prandiais, não observadas nas consultas) e procedimentos endoscópicos.
Os sintomas clínicos associados com a dor abdominal são: esgotamento, dor muscular e articular, dor pélvica, dor de cabeça, alterações sexuais e do sono, alteração afetiva, necessidade imperiosa de urinar.
As seguintes condições clínicas acontecem mais freqüentemente em pessoas com SII na população em geral (co-morbidades):
- Transtornos psiquiátricos (prevalência: de 40% a 90% em pacientes com SII).
- Síndrome de fibromialgia (prevalência: 31,6% em mulheres com SII).
- Dor pélvica recorrente/crônica (prevalência da dismenorréia: 50% em mulheres com SII).
- Síndrome de esgotamento crônico, cistite intersticial, dor dorsal, dor nas articulações temporomandibulares, dor de cabeça.
Os pacientes com SII têm uma reação anormal aos estímulos nocivos tanto a nível visceral 1 como no somático 2.
(1) Limiar de dor abaixo do normal ante estímulos mecânicos e elétricos do intestino na maioria dos casos [hiperalgia visceral].
(2) Em áreas abdominais somáticas de remissão de dor, limiares de dor abaixo do normal na pele, na hipoderme e nos músculos; nas áreas somáticas fora do lugar de remissão da dor, limiares de dor abaixo do normal na hipoderme e nos músculos; resultados controversos na pele, com limiares de dor normais, em cima do normal ou abaixo do normal (estímulos térmicos, mecânicos e elétricos).
Diagnóstico por imagens neurológico do cérebro. Observações das imagens do cérebro em pacientes com SII sugerem uma ativação comprometida dos circuitos de inibição da dor, inclusive aqueles do circuito corticopontino, mas sugerem um aumento da ativação dos circuitos límbico e paralímbico que pode estar relacionado com a facilitação da dor.
Prognóstico e tratamento
No geral, a SII dura toda a vida do paciente, ainda que se possa conseguir um leve controle dos sintomas mediante um tratamento.
Geralmente, o tratamento é multiforme. Implica: fatores dietários (análise cuidadosa dos possíveis desencadeantes alimentícios); terapia farmacológica tradicional (inclusive agentes formadores de massa, antiespasmódicos, antidepressivos tricíclicos e outros agentes psicotrópicos, e laxantes), agentes serotoninérgicos [antagonistas do receptor 5-HT3, agonistas do receptor 5-HT4, combinação do agonista do 5-HT4 e do antagonista do 5-HT3]; antidepressivos; terapia do comportamento e psicológica.
Copyright International Association for the Study of Pain, September 2007. References available at www.iasp-pain.org